sábado, 26 de março de 2011

Germaine III

Acabara o galo de cantar e alguém batera à porta. Muito engelhado o camponês abre-a e o rosto de Germaine surge cobrindo os raios matinais. Agarra-lhe na mão e puxa-o – Vem comigo. E condu-lo, entre a seara e os caminhos de terra, até à aldeia. Entram na pâtisserie e sentam-se. Os olhares intrigados cobrem a pequena mesa encostada à janelita decorada com bules de porcelana e bolinhos quentes onde o estranho casal se sentava. Ela com a mão pousada na dele sorrindo e conversando enquanto ele lhe acenava conforme ia corando. Que vergonha! Na hora seguinte a indignação popular, com a afronta a que aqueles fregueses tinham sido alvo pouco antes, já tinha inundado cafés, praça, cabeleireiro e lançou o burburinho constante na sagrada missa de domingo. A pobre coitada da viúva demonstrava-se afinal uma representação fiel do anti-cristo. E o camponês, esse, coitado…nunca fora nada. Transformara-se apenas num alvo fácil para servir de marionette àquela velhota estranha. E num instante detalhes e descrições foram surgindo sobre aquela “bruxa” que nunca ninguém soube de onde vinha. O que ajudava a dar um fulgor e fascínio únicos ao desenvolvimento daquele rol. Tanta criatividade e energia escondidas numa só aldeia. E por aquele vilarejo passaram o dia, passeando de um lado para o outro, saboreando a companhia um do outro ignorando a admiração e contestação dos restantes. Terminaram em casa de Germaine. Era pequena, mas iluminada e acolhedora. Sentaram-se em frente à lareira a beber chocolate quente, apreciando-se mutuamente à luz das chamas. Brindavam o desconhecimento. O desconhecimento que aqueles demais nunca ultrapassariam. Nem poderiam. Eram todos programados à nascença para encobrirem de uma miserável felicidade o infortúnio dos outros. Pobres ignorantes. Sem fugas pelo campo ao som do mugir de vacas, ou trocas de olhares escondidos, ou o prazer carnal tomado com naturalidade e ausência de sentimento de culpa, celebrados no final a chocolate quente à luz da lareira. E ali, pelo chão, adormeceram enroscados no tapete em frente às brasas.

Na manhã seguinte a campainha tocou. E o camponês abriu a porta, respondendo à indignação geral, com o sorriso mais genuíno alguma vez visto. No entanto não se apresentara nenhuma cara que este reconhecesse. Era um jovem, vestindo uniforme, cheio de malas, com cara de quem não via comida nem banho há meses. Perguntou surpreendido num sotaque italiano – Bom dia, é esta a casa de Audele Bordeaux? Ela está?
Ao cimo das escadas Germaine petrificara. E durante os segundos seguintes não reagiu. Apenas lágrimas escorrendo-lhe avidamente pelo rosto enquanto admirava cada centímetro do desconhecido à porta. Começa a correr pelas escadas abaixo, como que em desespero, e abraça-o com toda a energia que tinha. Ele retribui o abraço com a mesma vivacidade, enquanto os olhos quase lhe saltam das órbitas e sorri. Tenta falar mas não consegue. Tem um nó na garganta que apenas lhe deixa escapar, acompanhado a lágrimas, um balbucio – Mãe!

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