domingo, 3 de abril de 2011

Germaine V

Estavam na cabana sentados a um canto à luz do candeeiro a petróleo. Willelm mostrava a sua pequena colecção de fotografias. Eram velhas e debotadas mas traduziam-se no seu pequeno tesouro. Tinha ali registada a sua vida. Mostrava uma onde, ainda pequeno, estava com os seus pais e avós no casamento de uma tia, outra de uma carroça na praça onde ajudava frequentemente o seu pai a vender produtos, uma terceira onde se via uma mala de cabedal, que levava habitualmente para a escola, encostada a uma árvore enquanto organizava um rebanho e, por fim, uma quarta fotografia onde se via uma paisagem que entusiasticamente mostrou como tendo sido a sua primeira grande colheita. Willelm descrevia-as terna e detalhadamente. Germaine e Gérard olhavam para aqueles pequenos fragmentos de memórias imaginando com compaixão as histórias que o camponês orgulhosamente exibia. – Sabes Gérard, tenho em casa a tua caixinha. – Disse-lhe repentinamente Germaine. – Não queres vê-la?
Era um pequeno baú onde tinha, ao longo do tempo, juntado pedaços da vida do filho. Guardara um caderninho rabiscado, um carrinho de arames, uma borboleta seca dentro de um frasco, dentes, folhas e vestígios de uma criança normal que se fascinava com os mais ínfimos detalhes que a infância lhe oferecera.
Agarraram na toalha e restos do banquete que tinham deixado estiraçados na mesa e saíram, do modesto casebre do camponês, caminhando até à aldeia. Ao chegarem pouco restava. Apenas as suas caras incrédulas escondendo o desespero enquanto olhavam para as labaredas que se alimentavam da casa e iam crescendo rápida e assustadoramente. Destruíram cada manifestação de existência que a viúva cuidadosamente criara. Os barrotes caiam e o estrondo submerso em fagulhas temperava cruelmente aquele inferno. Uma mancha de tinta na parede, antes inexistente, ardia e deixava marcada a negro uma frase: O poder do feitiço é irónico, não, bruxa? E o fogo sentenciava agora o que outrora celebrara,cúmplice tanto na lareira como no pequeno candeeiro a petróleo, engolindo furiosamente a cómoda casa de Germaine. Eles apavorados, deixaram-se cair pelo chão e esperaram que o pesadelo terminasse. Acordaram, na manhã seguinte na rua com as caras aconchegadas pelas pedras do chão, tapados pela toalha, com ruínas de carvão e cinzas à frente. Estavam cercados por metade da população da aldeia que se aprontou a analisar e especular o sucedido e simular um falso ar pesaroso. Germaine limitou-se a tentar recuperar em vão alguns objectos sobreviventes ao incêndio e a sair dali com burburinho e olhares intrigados atrás.

– Vou voltar para a Baviera. Não suporto mais a podridão desta gente – confessou enojada e indignada aos dois. – Não espero que me acompanhem, ou mesmo me apoiem, mas adoraria tê-los comigo. Não me sinto capaz de continuar a viver aqui. – Terminou em soluços e choro. – Como planeias ir? – pergunta Gérard à porta da cabana pronto a segui-la. – Não sei. Vamos andando e descobrindo. Parando por aqui e ali até chegar à cidade e apanhar um comboio. Rapidamente o camponês se apronta a intervir – Fora de questão! Não me posso mudar já convosco, ainda há muito a prender-me aqui. Vou vender os campos e a cabana para juntar dinheiro e poder comprar uma boa casa na Alemanha para nós. Vamos ficar bem. Mas por enquanto não posso. Até lá ainda têm uma longa viagem até à cidade comigo. – e acalma-os com um beijo. Sai depois para ir preparar a carroça e enchê-la com alguns mantimentos. – Bem, estão prontos? – pergunta-lhes tempos depois. Eles arrastando mantas e agasalhos sobem para o tosco transporte num estéril entusiasmo. E seguiram. Seguiram, lentamente, deixando a aldeia apagar-se ao longe. Calados. Ouvindo apenas o toc-toc dos cascos, a respiração do burro, o chiar das rodas e o remexer das plantas com a brisa que anunciava o anoitecer. Cansados.

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