Aberto para obras
sábado, 18 de junho de 2011
Germaine VIII
Wraaaaaap! E rasgava mais uma fina e encardida folha de papel embebida em whisky e fumo de cigarro.
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Germaine VII

Karl não adormecera. O delírio não lhe permitira. Deixara-se ficar estático a admirar as formas do companheiro descansando a seu lado, aninhado entre a colcha e almofadas. Esticou um dedo e percorreu a linha das suas costas, tocando-lhe levemente, sentindo-lhe a pele. Gérard acordou. Sentiu os lençóis enrolados nos pés e olhou para o lado. O alemão, nu, sorria-lhe amavelmente. Beijou-o e deixou o seu corpo encaixar-se no dele. Admirava-o. Com as mãos. Com os olhos. Com a língua. Com o corpo. E a alma. Numa entrega mútua louvando aquela injuriosa fusão num qualquer quarto esquecido em Berlim.
terça-feira, 5 de abril de 2011
Germaine VI

Acordou de madrugada obrigada pela ansiedade. Sentou-se no lavatório de porcelana e fechou os olhos. Imaginava Willelm enquanto deixava deslizar a mão pela cintura. As coxas abriam-se criando caminho aos dedos que começavam, gradualmente, a ganhar algum movimento. De início suavemente, tocando ao de leve apenas nos lábios, aumentando depois o ritmo e a pressão. Encostou a cabeça à parede, onde lhe escorriam gotas de suor e onde a respiração ficava cada vez mais forte e audível. Gemia no final, sem vergonha nem preconceitos, saindo depois da casa de banho. Leve. Seguiu para a cozinha. Acendeu velas, preparou café, fez pão, panquecas, chá e tomou o pequeno-almoço. Tinham passado oito anos desde que chegara à Alemanha. Vestiu-se meticulosamente e saiu de casa. Ao chegar à estação duas horas depois, sentou-se, na plataforma dois, ansiosamente à espera. O ensurdecedor ruído e chiar do comboio a chegar à paragem fez a viúva rejubilar. As portas abriram-se e a multidão em segundos invadiu a estação. Destacava-se, ao fundo o camponês, um homem sem malas, de aparência rude, vestindo apenas trapos gastos. Germaine começa a correr e abraça-o. Sente as mãos ganharem vida própria e a palmilharem-lhe o corpo analisando-o como se de um diagnóstico se tratasse. Percorreu-lhe a cara com os lábios, trémulos, e os seus olhares, penetrantes e vibrantes, pararam na cara um do outro. Tal como o tempo.
Jantavam. Enquanto servia vinho, Gérard levantou-se.Ergueu o seu copo e disse alegremente - Encontrei uma casa. Fica perto da redacção. Não muito longe daqui. É perfeita para mim e para as minhas economias. Chegou a hora de vos dar espaço e conquistar o meu.
E brindaram. Germaine aprontou-se a saudá-lo. Willelm limitou-se a sorrir. Não falara desde o início de refeição. Nem mesmo quando a sua companheira e Gérard partilhavam alegremente as suas quotidianas novidades. Permanecia mudo. Não tinha coragem de corromper aquela melodia. Ouvia, secreta e graciosamente, o tilintar do metal dos talheres na porcelana dos pratos, e o som do vinho a cair e lamber o interior dos copos. Aquela orquestra de conforto e calor estimulavam a sua mais genuína euforia. E o seu silêncio traduzia-se na sua sincera forma de gratidão.
domingo, 3 de abril de 2011
Germaine V

Era um pequeno baú onde tinha, ao longo do tempo, juntado pedaços da vida do filho. Guardara um caderninho rabiscado, um carrinho de arames, uma borboleta seca dentro de um frasco, dentes, folhas e vestígios de uma criança normal que se fascinava com os mais ínfimos detalhes que a infância lhe oferecera.
Agarraram na toalha e restos do banquete que tinham deixado estiraçados na mesa e saíram, do modesto casebre do camponês, caminhando até à aldeia. Ao chegarem pouco restava. Apenas as suas caras incrédulas escondendo o desespero enquanto olhavam para as labaredas que se alimentavam da casa e iam crescendo rápida e assustadoramente. Destruíram cada manifestação de existência que a viúva cuidadosamente criara. Os barrotes caiam e o estrondo submerso em fagulhas temperava cruelmente aquele inferno. Uma mancha de tinta na parede, antes inexistente, ardia e deixava marcada a negro uma frase: O poder do feitiço é irónico, não, bruxa? E o fogo sentenciava agora o que outrora celebrara,cúmplice tanto na lareira como no pequeno candeeiro a petróleo, engolindo furiosamente a cómoda casa de Germaine. Eles apavorados, deixaram-se cair pelo chão e esperaram que o pesadelo terminasse. Acordaram, na manhã seguinte na rua com as caras aconchegadas pelas pedras do chão, tapados pela toalha, com ruínas de carvão e cinzas à frente. Estavam cercados por metade da população da aldeia que se aprontou a analisar e especular o sucedido e simular um falso ar pesaroso. Germaine limitou-se a tentar recuperar em vão alguns objectos sobreviventes ao incêndio e a sair dali com burburinho e olhares intrigados atrás.
– Vou voltar para a Baviera. Não suporto mais a podridão desta gente – confessou enojada e indignada aos dois. – Não espero que me acompanhem, ou mesmo me apoiem, mas adoraria tê-los comigo. Não me sinto capaz de continuar a viver aqui. – Terminou em soluços e choro. – Como planeias ir? – pergunta Gérard à porta da cabana pronto a segui-la. – Não sei. Vamos andando e descobrindo. Parando por aqui e ali até chegar à cidade e apanhar um comboio. Rapidamente o camponês se apronta a intervir – Fora de questão! Não me posso mudar já convosco, ainda há muito a prender-me aqui. Vou vender os campos e a cabana para juntar dinheiro e poder comprar uma boa casa na Alemanha para nós. Vamos ficar bem. Mas por enquanto não posso. Até lá ainda têm uma longa viagem até à cidade comigo. – e acalma-os com um beijo. Sai depois para ir preparar a carroça e enchê-la com alguns mantimentos. – Bem, estão prontos? – pergunta-lhes tempos depois. Eles arrastando mantas e agasalhos sobem para o tosco transporte num estéril entusiasmo. E seguiram. Seguiram, lentamente, deixando a aldeia apagar-se ao longe. Calados. Ouvindo apenas o toc-toc dos cascos, a respiração do burro, o chiar das rodas e o remexer das plantas com a brisa que anunciava o anoitecer. Cansados.
segunda-feira, 28 de março de 2011
Germaine IV

Estavam sentados na cozinha, os três, debicando café. O camponês, confuso, tentava perceber em vão o que por ali se passava, Germaine estupefacta, lacrimejava enquanto ouvia Gérard a explicar a sua fatídica história, que por sua vez tentava combater o cansaço com as doses de cafeína que acompanhavam a sua conversa. Começou por contar que se aproveitara do acidente e consequente incêndio para o julgarem morto e poder fugir ao exército, deixando os restos carbonizados do pai para trás. Escondera-se por um mês nas montanhas e começou depois a caminhar em direcção a Itália onde se refugiou numa fábrica de armamento pago a refeições. O fungar de Germaine interrompeu-o e a sua cara de terror, de quem ainda tentava assimilar a dolorosa morte do ex marido e a precariedade a que o filho fora sujeito, obrigaram-no a terminar por ali a descrição. – Entretanto fugi de Itália e decidi voltar a França. Supus que te encontraria por aqui. Nada é mais reconfortante que a nossa casa, não achas? - E consolou-a com um sorriso. O camponês, até então mudo, decide intervir. Estende-lhe uma fatia de queijo e diz – Sou o Willelm Dubois. É de vaca. Fui eu que o produzi. É o melhor de toda a região. Gérard acena-lhe levemente com a cabeça e prova-o. – É óptimo Monsieur Dubois . Sou o Gérard. Fico feliz por saber que a minha mãe não tem estado sozinha. E Germaine sorri-lhe, ainda com os olhos arranhados e a cara encharcada, agradecendo. Agradecendo o consentimento do filho. Agradecendo-lhe a sua presença, ali, finalmente ao pé de si, vivo.
Saíram de casa para caminhar pela aldeia, e deixar o sol celebrar aquele dia, até mergulharem pelo campo que a abraçava. Pararam na cruz de ramos de nogueira que Germaine construira, aconchegada entre duas magnólias, e que decorava regularmente. – Como conseguiste o corpo do pai? – perguntou Gérard. – Não consegui – respondeu-lhe com um leve sorriso Germaine, enquanto o camponês lhe beijava a testa. E Ali se sentaram os três, num pic-nic, com a seara ao lado e a cabana de Willelm logo depois. – Espero que ninguém nos veja aqui, a comer no meio do chão ao lado do memorial, neste ritual, hereges! – exclama sarcasticamente Germaine, rindo como há muito não ria. Tal como o camponês. Acompanhados pelas calorosas gargalhadas de Gérard que depositava no túmulo uma folha gasta e já amarelada onde se lia "Il n'avait pas de gîte, pas de pain, pas de feu, pas d'amour ; mais il était joyeux parce qu'il était libre" frase que o definira e lera no primeiro livro que o pai lhe oferecera, Les Misérables.
sábado, 26 de março de 2011
Germaine III

Na manhã seguinte a campainha tocou. E o camponês abriu a porta, respondendo à indignação geral, com o sorriso mais genuíno alguma vez visto. No entanto não se apresentara nenhuma cara que este reconhecesse. Era um jovem, vestindo uniforme, cheio de malas, com cara de quem não via comida nem banho há meses. Perguntou surpreendido num sotaque italiano – Bom dia, é esta a casa de Audele Bordeaux? Ela está?
Ao cimo das escadas Germaine petrificara. E durante os segundos seguintes não reagiu. Apenas lágrimas escorrendo-lhe avidamente pelo rosto enquanto admirava cada centímetro do desconhecido à porta. Começa a correr pelas escadas abaixo, como que em desespero, e abraça-o com toda a energia que tinha. Ele retribui o abraço com a mesma vivacidade, enquanto os olhos quase lhe saltam das órbitas e sorri. Tenta falar mas não consegue. Tem um nó na garganta que apenas lhe deixa escapar, acompanhado a lágrimas, um balbucio – Mãe!
segunda-feira, 14 de março de 2011
Germaine II

Até que o entardecer despedisse os habitantes das ruas e deixasse a praça vaga, reservada apenas a Germaine, ao camponês, e à brisa que enchia o ar e agitava a seara lá ao longe. Onde se sentaram, vendo o sol morrer e a palidez da lua nascer para fugirem. Escondendo-se entre arbustos e pedras que os levavam até à recôndita cabana acompanhados pelo tilintar de chocalhos e o mugir das vacas. Onde voltavam a perder a vergonha que obrigatoriamente simulavam, iluminados pelo pequeno e gasto candeeiro a petróleo e o cheiro a funcho. Abraçados pela natureza que eles ali excitadamente celebravam. Longa e entusiasticamente. Até o galo cantar e o camponês se levantar a caminho da seara que o esperava. Ela deixava-se ficar sempre na cama por mais uns momentos, apreciando a revolta de lençóis criada com a agitada noite e o cheiro do corpo do companheiro impregnado nos velhos panos. Levantava-se depois, jovem, e saía pelo campo para procurar frutos para comer por ali e colher as flores mais vibrantes e virtuosas que encontrava. Que mais tarde deixava junto do defunto marido no seu pequeno ritual; Onde o sorria com saudade...
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